O Princípio, o Meio e o Fim da Boa Governação

O Princípio, o Meio e o Fim são termos utilizados para nos referirmos a etapas de uma estória ou percurso, e estão distribuídos por esta ordem: vem primeiro o Princípio, seguidamente o Meio, e por último o Fim.

Com outro significado, estes termos também são utilizados na governação, seja ela da nossa vida pessoal, familiar, profissional, ou na governação do país. Quando governamos ou gerimos algo, como a nossa vida, o(s) Princípio(s) norteiam e balizam todo o processo de gestão; o(s) Meio(s) são meros instrumentos de concretização do Fim; e o Fim é sempre uma expressão e instrumento do(s) Princípio(s). Ou seja, os Princípios são o motor e guia de toda a nossa atuação. Os Meios são instrumentos para alcançar os Fins (a não ser que sigamos Maquiavel, que celebremente afirmou que os Fins justificam os Meios), e os Fins só têm significado se forem expressão, manifestarem e obedecerem aos nossos Princípios.

Vou utilizar como exemplo esta época natalícia. A gestão dos nossos recursos familiares será este ano especialmente difícil, tendo em conta a conjuntura inflacionária. Com preços tão elevados, com vários casos a verificarem subidas de mais de 20, 30, 40 e 50% dos preços do ano anterior em bens e serviços, a ponderação dos nossos gastos é de suma importância. Aqui, o Meio equivale aos nossos recursos ou rendimentos disponíveis, muito provavelmente o ordenado do mês de dezembro. O Fim será uma quadra festiva agradável. Mas o Princípio que deve nortear toda a nossa gestão ou governação da nossa vida familiar é o bem-estar da nossa família. Assim, se os gastos para que realizemos o Fim de uma quadra bem festejada comprometerem o bem-estar da nossa família (puserem em causa ou delapidarem os recursos para comprarmos comida, medicamentos, produtos escolares, água e luz, transporte, e mesmo algum entretenimento para o restante mês de janeiro), estamos a comprometer o Princípio do bem-estar da nossa família, que deve sempre prevalecer a qualquer Fim. 

Em conclusão, o Fim deve ser ajustado para obedecer ao Princípio do bem estar da nossa família, e, em vez de uma ceia extravagante, de roupas caras, brinquedos caros, festas caras (muitas vezes até adquiridos a crédito), vamos fazer uma gestão racional, resistir aos impulsos, e fazer uma ceia com muito amor, saúde, nossos familiares, amigos, entes queridos à nossa volta, comprar apenas o que nos é possível, por forma a garantir que mantemos rendimento suficiente para o bem estar da nossa família durante todo o mês de janeiro. Assim é o consumidor inteligente e norteado por Princípios.

O mesmo se passa na gestão ou governação do nosso país. O Princípio é o da Dignidade da Pessoa Humana e do seu bem-estar. O Meio é o Orçamento do Estado e todos os instrumentos consequentes na Administração Pública. E os fins levados a cabo pelo Orçamento de Estado nunca podem atropelar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e do bem-estar dos cabo-verdianos. 

No contexto do Orçamento (Meio) proposto para 2024, o primeiro-ministro informou que o mesmo visa a proteção das pessoas e do país (Princípio).

Assim, o parlamento de Cabo Verde aprovou na generalidade a proposta de Orçamento do Estado para 2024 no valor de 86 mil milhões de escudos, cerca de 782 milhões de euros, mais 10% do que o orçamento do corrente ano. Os Fins de cada verba encontram-se discriminados por rubricas, muitas delas exigências ou preocupações de cumprimento de compromissos internacionais, exigidos por organizações internacionais ou multinacionais credoras. O Princípio que norteia tais organizações seria o do Desenvolvimento do país, supostamente sem descurar o Bem Estar dos Cabo-Verdianos.

Entre todas as questões levantadas à volta do Orçamento de 2024, dada a conjuntura inflacionária muito difícil que passam os cabo-verdianos, fica o nosso desconforto relativamente à rubrica ignorada de Defesa de Consumidores. Consumidores são todos os Cabo-Verdianos, sendo que a sua defesa é garantia de concretização do Princípio de respeito pela dignidade da pessoa humana e do seu bem-estar. Cumpre assegurar a defesa dos consumidores, munir-se de empatia, da capacidade de se colocar no lugar de quem conta moedas todos os dias, sob pena de se comprometer o princípio máximo que deve reger a gestão pública: o bem-estar dos cidadãos. 

Na luta pela defesa dos consumidores, comemoramos 25 anos de vigência da Lei nº 87/V/98 de 31 de Dezembro, a Lei de Defesa dos Consumidores. Importante Meio na luta pelos direitos dos consumidores, este instrumento legal naturalmente já carece de atualização. A ADECO, conjuntamente com o Ministério da Presidência dos Assuntos Parlamentares, está a articular esforços no sentido de promover a sua atualização, em prol do Princípio maior que nos rege. 

Igualmente em prol do bem-estar dos consumidores, que somos todos nós, Cabo-Verdianos, estamos a perseguir meios para a reforma e modernização do Livro de Reclamações, visando o seu formato digital, bem como para a promoção do Livro de Elogios. Os tempos são difíceis, mas cheios de possibilidades. Esta é a nossa agenda para 2024.

Assim, perspetivando o novo Ano que se aproxima, prenhe de dificuldades, mas também de oportunidades, possibilidades e potencial, a ADECO põe a si mesma, a todos os consumidores Cabo-Verdianos, a todos os operadores económicos, a todos os gestores da coisa pública Cabo-Verdiana, a versão adulterada de uma célebre frase proferida por John F. Kennedy quando foi empossado para gerir a coisa pública: Não te perguntes o que podem os outros fazer por ti, mas sim o que podes fazer pelos outros, pelos que, neste Natal, sofrem.

 Eva Caldeira Marques,

PCD ADECO