Tempo difícil, Consumo Racional!

Após 2019 o mundo tem sofrido mudanças impactantes, tendendo a uma nova configuração. A pandemia da COVID-19 e seus efeitos estão mais que explanados a nível de produção e distribuição de mercadorias, embora continua, felizmente em menor proporção, ainda relevante para o cenário atual.

As tensões geopolíticas, particularmente a guerra Rússia e Ucrânia, por serem países relevantes na produção mundial de energia, cereais, fertilizantes, por sua localização e importância nas rotas de distribuição, agravou ainda mais um cenário que já não era favorável durante e pós COVID 19. Menos visível para muitos, mas não menos relevante para a conjetura que nos encontramos, são as alterações climáticas que tem levado a fenômenos naturais anormais em várias partes do globo, com respaldo na vida social, econômica local e do mundo.

Isto tudo condiciona a económica global, fazendo aumentar a taxa de inflação mundial em valores percentuais exorbitantes, entre 8 a 10%. Infelizmente, as perspetivas apontadas por organizações especializadas em previsões macroeconómicas não são animadoras. Considerando que a COVID 19 ainda continua, em fase descendente devido a vacinação, e a guerra Rússia e Ucrânia não tem fim a vista, podendo agravar a geopolítica da globalização.

Cabo Verde, por ter uma base de consumo intimamente ligada a importação, onde o que consumimos advém em cerca de 80% da importação, e por outras condicionantes internas na gestão e natureza do país, também tem sofrido as agruras desta conjuntura. Creio que todas as famílias cabo-verdianas, das mais desfavorecidas às com menos dificuldades, têm sentido o impacto direto do aumento de preços, quer no consumo de bens essenciais, quer em outros serviços devido a inflação. Por ser um país onde a pobreza e as desigualdades ainda grassam, muitas tem sido as situações que carecem de intervenção solidária sendo inclusive já caracterizadas de insegurança alimentar.

Quantos de nós já não constatamos nas prateleiras dos supermercados a mudança de preços para mais produtos básicos como cerais, leite, oleaginosas ou legumes? Quantos de nós já não fomos apanhados de por aumento de serviços sobretudo ligados a logística de importação de bens e serviços?

Porem, não é somente nas situações extremas que este impacto é visível. O facto do salário mínimo nacional, no valor de 13.000 ECV que será aumentado para 14.000 ECV no ano 2023, estar situado abaixo em 38,1% do limiar mínimo de sobrevivência de um indivíduo saudável, calculado pela ADECO no ICE – Índice de Consumo Essencial no valor de dezembro em 21.008 ECV, nos diz que, provavelmente, há mais gente com imensas dificuldades. Gente que trabalha e tem rendimento, todavia, insuficiente para o consumo do essencial individual quanto mais de uma família. Penso que urge o ICE ser considerado na definição de salários no país sob pena da subvalorização do trabalho e criação de situações deficitárias de consumo que podem levar a insegurança alimentar, com todas as suas consequências.

Por falar da importância do papel abnegado que alguns associados consumidores, têm feito na ADECO, neste tempo onde padrões e realidade de consumo diferem de 1998, quando da aprovação da Lei nº 88-V-98 de 31 Dezembro sobre Defesa de Consumidor, urge ser revisitado este dispositivo legal. Quer pela atualização necessária, quer por haver cada vez mais solicitações à ADECO, já que, este tempo além de inflação, tem associado a especulação e outras práticas das quais os consumidores devem ser protegidos. Por isso, atualizar e reforçar o papel da ADECO enquanto defensor dos interesses dos consumidores, pelo serviço publico que já presta, com sacrifícios institucionais, mesmo com alguns agentes públicos a não cumprirem o que diz às leis e protocolos institucionalizados. Seria de todo justo e assertivo perspetivando mais e melhor defesa dos consumidores nacionais e estrangeiros que nos visitam, já que a economia do país está à volta do sector turístico, daí a necessidade de salvaguarda e padrões de qualidade para os consumidores.

As palavras prudência e racionalidade nunca foram tão importantes para os consumidores como o são hoje, particularmente para a época festiva. Consumir o essencial e prioritário, com base num orçamento, apenas com despesas que os rendimentos suportam, evitar o consumismo desenfreado por obrigações triviais e “tradições importadas”, privilegiar produtos nacionais de boa qualidade a preços acessíveis com efeito igual ou superior, para a ceia de natal e passagem de ano, e manter o equilíbrio emocional possível em tentações neste tempo é essencial.

Já referi, a conjuntura obriga a nossa atenção, serenidade e racionalidade para suas dificuldades. Entretanto, movidos pela resiliência que nos caracteriza, e esperança que nos ilumina, espero passarmos por esta quadra festiva e esta fase da melhor forma possível, com saúde, salvaguardando valores essenciais como a paz, a fraternidade, a amizade e a união.

Desde já, Boas Festas!

Nelson Faria – Membro da Direção da ADECO