22 anos da Lei de Defesa do Consumidor

 

No dia 31 de Dezembro a lei que rege a defesa dos consumidores em cabo verde celebra 22 anos.  A criação desta lei foi um marco importante para o consumo em Cabo Verde. Nesta lei estão definidos todos os direitos fundamentais dos consumidores, bem como dispõe sobre as formas de aplicação desta lei. Para saber que aspetos precisam ser atualizados, modificados ou que devem ser inseridos devido as alterações de consumo, como por exemplo o aumento do consumo digital, negócios pela internet, falamos com o jurista da ADECO Éder Brito.

  1. Explica-nos em que consiste a lei que aprova o regime jurídico de proteção e defesa dos consumidores.

A lei n. º 88/V/98 de 31 de Dezembro que aprova o regime jurídico de defesa dos consumidores tem como objetivo principal disciplinar as relações de consumo existentes entre os prestadores de serviço, os fornecedores de produto e os consumidores finais. Para materializar este objetivo, a lei define de forma taxativa os conceitos de consumidor final, fornecedor de produtos e prestador de serviços, e discrimina de forma exemplificativa os direitos do consumidor.

A lei apresenta a definição do consumidor final como a pessoa física a quem seja fornecido produtos ou prestado serviços para uso e consumo pessoais, ou seja, o consumo ou a utilização do produto fornecido ou do serviço prestado não pode ter um fim profissional. (ex. compra de uma televisão para a sua residência familiar, contratação do serviço de internet para uso doméstico).

Os conceitos de fornecedor de produtos e prestadores de serviços são definidos como quaisquer entidades privadas e públicas. (ex. sociedades comerciais, associações, administração pública, autarquias locais).

Os seguintes direitos são discriminados a título indicativo: à qualidade dos bens e serviços; à proteção da saúde e da segurança física; à formação e à educação para o consumo; à informação para o consumo; à proteção dos direitos económicos e; à prevenção e à reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos.

Com estes elementos, o diploma legal visa, inicialmente, através da indicação dos direitos que devem ser respeitados, prevenir a violação dos direitos do consumidor final por parte dos prestadores de serviços e dos fornecedores de consumo nas relações de consumo constituídas. Contudo, apresenta soluções assertivas para a reparação uma vez acontecido danos decorridos das violações dos direitos propostos.

  1. O consumidor atual e as próprias formas de consumo são diferentes de a 22 anos, considera que a lei está apta a resolver todos os problemas de consumo atuais, como por exemplo questões de compras pela internet?

Rigorosamente não, a Lei n.º 88/V/98 de 31 de dezembro é de 1998, portanto, um pouco desfasada com a realidade consumerista atual Cabo-verdiana. É uma lei bastante simples que prevê o geral do que seja o direito do consumidor, não prevê quaisquer sanções para as violações previstas, bem como falta a regulamentação da própria lei, ou seja, uma forma de simplificar a sua aplicação de forma detalhada na vida real.

A lei é razoável para o mercado Cabo-verdiano, contudo se observa uma dificuldade de, sem recorrer ao poder judicial, impor o seu cumprimento aos fornecedores de produtos e aos prestadores de serviços.

Apesar de razoável a Lei não abarca as diretrizes para o Direito do Consumidor apresentadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999, quanto mais as de 2015. Assim, precisamos incorporar as seguintes diretrizes definidas pela ONU em 1999: segurança física do consumidor de produtos; promoção e proteção económicas do consumidor; padrões de segurança e e qualidade para bens consumíveis e serviços; distribuição de produtos e serviços essenciais; medidas legais ou administrativas efetivas que garantam compensação ao consumidor;  informação e educação propostas pelo governo; promoção do consumo sustentável. Cabo Verde também precisa incorporar as diretrizes de 2015, as quais: boas práticas de negócio; informações claras e oportunas para permitir que os consumidores entrem em contato com os negócios facilmente e para permitir a ativação legal das autoridades para que possam identificá-los e localizá-los; informações claras e objetivas sobre os produtos oferecidos pelos serviços e os termos e as condições da transação; termos de contrato fáceis de entender  que não sejam injustas; um processo transparente de confirmação, cancelamento e de restituição de transações; mecanismos seguros de pagamento; sistemas de resolução de compensações que sejam rápidas, baratas e assertivas; a segurança e a privacidade dos dados dos consumidores; educação sobre o consumo e negócios.

Uma nova lei do consumidor deverá fazer menção principalmente ao direito do consumidor no âmbito da segurança no ambiente mercantil digital e financeiro, mais do que prever os direitos do consumidor neste aspeto, as autoridades legislativas deverão encontrar formatos assertivos de fiscalização do cumprimento destes direitos por parte das instituições que prestam esse tipo de serviços. Em Cabo Verde, já existem leis que cobrem a matéria do crédito ao consumo, bem como os pagamentos feitos em compras digitais, porém, são leis bastante gerais e faltam previsões relativamente ao direito de arrependimento, por exemplo.

  1. Acha que o consumidor atual preocupa-se em conhecer os seus direitos? O que acha que pode ser feito para incentivar a educação para o consumo?

Observa-se que cada vez mais existe uma preocupação com os direitos do consumidor em Cabo Verde, a ADECO tem trabalhado incessantemente na promoção dos direitos do consumidor a nível nacional, e a mensagem tem sido transmitida e alcançada muitas pessoas. Mas ainda falta muito a ser feito, se se tivesse um ensino público ainda nas escolas sobre a matéria do consumo, acredito que os cidadãos cresceriam com uma ideia mais assertiva do que é consumir, a ADECO promove várias ações no sentido de conscientizar e informar o consumidor mirim, porém, se existissem políticas públicas desenvolvidas pelo Estado que se debruçassem sobre o tema com financiamento público, teríamos um futuro com consumidores mais conscientes. O público adulto também é um público alvo, por que é este que sofre mais danos quando os seus direitos como consumidor não são respeitados, entretanto, seria necessário que o Estado promovesse instituições que pudessem solucionar ou coadjuvar na solução dos casos de desrespeito pelo direito do consumidor.

  1. A pandemia da COVID-19 trouxe alguns desafios ao ambiente consumerista de Cabo Verde. A lei atual foi suficiente para a resolução desses problemas?

A lei atual foi insuficiente, aplicaram-se maioritariamente outras leis específicas, como a lei da rotulagem, a lei de infração contra a economia, regulamentos e resoluções publicadas especificamente para a questão da situação pandêmica, entre outras. Mas a lei do consumidor em si, demonstrou a sua fragilidade em proteger o consumidor nesse momento, entende-se, visto se tratar de um momento excecional, daí a necessidade da diplomas legais excecionais. Porém, é necessário entender que a previsão legal não resolve conflitos de consumo, mas sim é necessário que as autoridades imponham o cumprimento das leis, e na área do consumidor a imposição do cumprimento extrajudicial da lei é extremamente importante, visto que, se afasta da máquina dos tribunais, este é uma das principais objetivos da ADECO.

Éder Brito 

Jurista da ADECO